Em primeiro lugar, segue um pedido de desculpas aos leitores deste Meridiano. A semana passada não houve edição por questões de saúde minhas que me impossibilitaram de fazer este trabalho de recolha e reflexão habitual. Porém, estamos de volta!
**********
Bom dia! Acho que hoje o GIF diz tudo sobre este último fim-de-semana:
Aproveitando o humor geral de algum êxtase, seguimos para o estado do globo. Espero que não seja um balde de água fria.
Ponto de ordem
“Toofaan.” Uma tempestade perfeita. Foi assim que o primeiro-ministro indiano Narendra Modi descreveu a situação que se abateu sobre a Índia co esta segunda vaga da Covid-19 que está a provocar um número de mortes diário nunca visto e a dizimar o país. A Der Spiegel resume o que se passa com reportagem no terreno e aponta ainda os erros do governo de Modi, que há alguns meses afirmava ter “derrotado” o vírus.
A situação atual é bem diferente. Milhares e milhares de mortes diárias, falta de oxigénio nos hospitais, doentes que ficam à porta sem lugar para serem internados e cadáveres que esperam horas por uma pira funerária. O jornalista Aman Sethi deixou o testemunho no New York Times da dimensão humana de tanta morte:
Everyone I know has lost someone to the virus. Many have lost several members of their family. But while you’re in lockdown, the dead don’t feel dead as much as disappeared.
So when my father called me on Tuesday to say that his uncle had died of Covid-19, that the uncle’s whole family was ill with the disease and that a cousin of my father’s was in an intensive care unit, I sensed the onset of a familiar numbness.
“I might go out for a drive,” I mumbled vaguely to my wife over dinner that night.
But as I got into my car the next morning and drove out to several crematories, I realized I just wanted to feel something.
A real dimensão da tragédia fica evidente quando olhamos para estes gráficos e estas fotografias reunidas pela BBC. A variante do vírus que surgiu no país está a devastar a Índia, numa verdadeira catástrofe humanitária.
As piras funerárias ardem por todo o lado e os coveiros trabalham sem parar (Al Jazeera). Ainda para mais se tivermos em conta que os números de mortes por Covid-19 são muito provavelmente superiores aos comunicados oficialmente (The Guardian).
Infelizmente, a História repete-se. Em 1918, a pneumónica matou mais gente na Índia do que a I Guerra Mundial em todo o mundo (BBC). Mas a História nunca se repete de forma igual: se à altura o Império Britânico cometeu erros, agora é a vez do governo de Modi. Com a colaboração do Twitter e do Facebook, o executivo do Bharatiya Janata Party tem tentado esconder as críticas à sua atuação que surgem nas redes sociais, como resume aqui o Vox. E as primeiras consequência políticas já se fazem sentir, com o partido a perder as eleições locais em Bengala Ocidental (Al Jazeera).
A interligação entre esta vaga dramática da pandemia e a política do país é indissociável. Deixo-vos por isso a reflexão brilhante da escritora Arundathi Roy (The Guardian):
Try not to pay attention to the fact that the possibility of a dire shortage of oxygen had been flagged as far back as April 2020, and then again in November by a committee set up by the government itself. Try not to wonder why even Delhi’s biggest hospitals don’t have their own oxygen-generating plants. Try not to wonder why the PM Cares Fund – the opaque organisation that has recently replaced the more public Prime Minister’s National Relief Fund, and which uses public money and government infrastructure but functions like a private trust with zero public accountability – has suddenly moved in to address the oxygen crisis. Will Modi own shares in our air-supply now?
“Let’s try and not be a cry baby.”
Outras latitudes
Angela Merkel está de saída. Que legado deixa e como será o futuro sem a líder mais marcante da política europeia dos últimos 10 anos? (Foreign Affairs)
No meio do caos com o acordo do Brexit, a primeira-ministra da Irlanda do Norte demitiu-se. Quem se poderá seguir na liderança do DUP? (Politico Europe)
Nos EUA, há mais estados a liberalizar o acesso às armas do que a limitá-lo (The Economist)
Como a namorada de George Floyd acompanhou o julgamento do polícia que o matou (Washington Post)
Bin Laden foi morto há dez anos. Aqui ficam os testemunhos de todos os envolvidos na operação (Politico)
“Como o Pentágono começou a levar os OVNIs a sério” (New Yorker)
Uma norte-americana presa em Cuba por uma história de amor com um espião de Castro (The New York Times)
Como a Covid-19 afeta mais os indígenas no Brasil (Piauí)
O que as guerrilhas colombianas andam a fazer na fronteira com a Venezuela (Crisis Group)
Como a Etiópia entrou em roda livre (The Atlantic)
O artigo do jornalista que acompanhou Navalny no voo de regresso à Rússia (1843 Magazine - The Economist)
No Daguestão, há cada vez menos gente a viver no deserto (Moscow Times)
O que se passa na fronteira entre o Quirguistão e o Tajiquistão? (Radio France Internationale)
Na Líbia, o acordo de paz trouxe um alívio às populações, pelo menos temporário (Newlines)
Como o coronavírus se espalha nos locais de trabalho nas Filipinas (The Rappler)
A Coreia do Norte deixou mais ameaças ao governo norte-americano (National Public Radio)
As lesões dos trabalhadores de uma fábrica da Tesla (The Guardian)
Regresso ao futuro
A 3 de maio de 1979, a primeira líder de governo mulher do Reino Unido chegava a Downing Street. O seu legado como primeira-ministra — eleita três vezes consecutivas — marcaria para sempre a História do país (The New York Times).
O seu passado como ministra da Educação (e a alcunha de “Milk Snatcher”) e depois como líder da oposição mostraram bem que Thatcher não era uma política qualquer. Oiça-se o que alguns políticos diziam à altura sobre ela, em testemunhos reunidos aqui pela BBC.
A governação de Thatcher foi adorada por uns e odiada por outros. Certo é que ninguém lhe foi indiferente. Mas o que é ao certo o Thatcherismo? (BBC) E sabe como caiu Thatcher? Não foi por perder eleições (Sky News).
A reflexão sobre o legado de Thatcher é polarizadora. Vejamos dois exemplos, por dois biógrados da antiga primeira-ministra: a do apologista Charles Moore (Vanity Fair) e do crítico Hugo Young (The Guardian). Mas ambos são unânimes em destacar como Thatcher ultrapassou as barreiras de género e classe do seu tempo. E como deixou uma marca permanente no país.
This is a style whose absence is much missed. It accounted for a large part of the mark Thatcher left on Britain. Her unforgettable presence, but also her policy achievements. Mobilising society, by rule of law, against the trade union bosses was undoubtedly an achievement. For the most part, it has not been undone. Selling public housing to the tenants who occupied it was another, on top of the denationalisation of industries and utilities once thought to be ineluctably and for ever in the hands of the state. Neither shift of ownership and power would have happened without a leader prepared to take risks with her life. Each now seems banal. In the prime Thatcher years they required a severity of will to carry through that would now, if called on, be wrapped in so many cycles of deluding spin as to persuade us it hadn't really happened.
Não são apenas os jornalistas e académicos, porém, que se dividem ao falar de Thatcher. Em 2019, tive a oportunidade de entrevistar britânicos que, tantos anos depois, ainda amam e odeiam a primeira-ministra (Observador). Prova da sua marca inesquecível, para o bem e para o mal.
E nada como terminar com o maravilhoso texto do britânico James Woods na New Yorker, que tenta contemporizar Thatcher e o seu efeito no Reino Unido de hoje.
Sou toda ouvidos para…
As entrevistas de David Frost (ou melhor, conversas, como o próprio as definia) são uma delícia. Muitas, contudo, perderam-se no tempo, fruto da conversão que não foi feita das cassetes antigas para as novas plataformas. Isso agora acabou. Wilfred Frost, um dos filhos deste jornalista britânico, mergulhou nas cassetes do pai e fez este extraordinário podcast. Em Frost Tapes ouvimos incríveis exemplos do trabalho do seu pai, que vão muito para lá da famosa entrevista com Richard Nixon.
GIF da semana
Não sei o que esta semana irá trazer-nos, mas já interiorizei os conselhos de George Constanza: estou pronta para tudo. Espero que este otimismo vos contagie.
**********
Espero que tenha gostado desta edição do Meridiano de Greenwich. Se for o caso, não se esqueça de recomendar aos seus amigos que o subscrevam. Esta newsletter é publicada todas as segundas-feiras. Tenha uma boa semana!