Olá a todos!
Em primeiro lugar, devo um pedido de desculpas aos leitores desta newsletter, já que desapareci e fiquei sem dar notícias durante quase dois meses. Um conjunto de razões pessoais e profissionais levaram a esta paragem, mas agora que retomo aproveito para fazê-lo com novidades: passaremos a publicar às sextas-feiras, em vez de segundas, numa lógica de balanço da semana.
Como extra, ainda trago uma surpresa. A partir de agora, se quiserem apoiar monetariamente esta curadoria e análise amadoras, tal passa a ser possível. E porque não sou fã da simples caridade, haverá brinde para cada subscritor pago: para já, terão direito a aceder exclusivamente a uma entrevista quinzenal com um especialista em relações internacionais ou ator de um dos fenómenos mundiais a que estamos a assistir. Em suma, o Meridiano está de volta — e com novidades!
A todos os que perguntaram pelo paradeiro desta newsletter durante esta ausência, muito obrigada pelo vosso interesse. Aqueceu-me de facto o coração.
Dito isto, vamos ao que interessa: o que se passa neste nosso mundo.
Ponto de ordem
Ontem assinalou-se o centenário do Partido Comunista Chinês, um acontecimento de grande magnitude. Como habitualmente, começamos pelo básico: nada como um explicador do Council of Foreign Relations sobre o percurso do PCC e o resumo da BBC sobre o discurso de Xi Jinping.
Para mais pormenores sobre a estrutura e cronologia do partido, ficam os gráficos da Al-Jazeera.
Espaço agora para a reflexão. Na newsletter China Watcher do Politico, Robert Daly alerta para um ponto importante sobre as impressões que temos da China e dos chineses a tantos quilómetros de distância e sobre como o PCC está para durar:
This intimate connection between China, party and people is poorly understood in Washington. Former Vice President Mike Pence and Secretary of State Mike Pompeo spoke of the Chinese people as “enslaved” or "imprisoned." In a 2020 speech, Pompeo implied that the U.S. might inspire the Chinese to rise up against the CCP and establish the democracy they desperately desired.
This good people/evil government thesis has a long history and many adherents in the U.S. It’s a delusion. There are thousands of brave dissidents and free thinkers in the PRC, but there is greater unity of purpose between China’s rulers and their 1.4 billion subjects than Americans usually admit. If it were a nation of evil emperors and captive masses who secretly agree with us, China would be relatively easy to deal with. It isn’t. China is a complex, ambitious, aggrieved nation — a government and a people. It will believe what it believes and do what it does regardless of our wishes.This relative unity of purpose is one of the major themes of the centenary.
Mas é claro que nem tudo são rosas para o PCC de Jinping. O The Guardian traz uma excelente peça sobre como, apesar do “milagre económico” chinês, ainda há profundas crises económicas e sociais entre a sua população.
Já sobre a relação da China com o resto do mundo — e é particular com os EUA —, o Times Literary Supplement traz uma interessante reflexão sobre se estamos ou não perante uma Guerra Fria 2.0.
O PCC é um caso de sucesso histórico, que combina um sistema nunca visto de socialismo capitalista, ao mesmo tempo que se afirma como grande potência no mundo. Dentro de portas, para além de um regime de partido único, as violações de direitos humanos continuam. Veja-se o gritante caso de Xinjiang e a pulsão genocida contra os Uyghurs, captada nesta bela reportagem no local (The Telegraph). Ou o garrote cada vez mais apertado sobre Hong Kong;
Residents now swarm police hotlines with reports about disloyal neighbors or colleagues. Teachers have been told to imbue students with patriotic fervor through 48-volume book sets called “My Home Is in China.” Public libraries have removed dozens of books from circulation, including one about the Rev. Dr. Martin Luther King Jr. and Nelson Mandela.
No fim, a História da China Contemporânea e dos últimos 100 anos é o Partido, o seu alfa e o seu ómega. Não é possível compreender a China sem compreender o PCC. É isso que nos lembra este extraordinário ensaio (L’Echo).
Outras latitudes
O balanço da presidência portuguesa do Conselho Europeu (Politico)
Como vivem em Calais migrantes e locais? Esta bela reportagem transporta-nos para lá (Point 51 Magazine)
Na Suécia, o governo foi derrubado por uma moção de censura inédita na História do país (The Local)
Como sobrevive uma das rádios asfixiadas por Orbán na Hungria (Café Babel)
E a propósito de Hungria… Estará o seu modelo a chegar à Eslovénia, próximo detentor da presidência europeia? (Politico)
Donald Rumsfeld morreu. O que nos diz a luta livre que praticava sobre a sua personalidade política (Unherd)
Os sem-abrigo da Covid no Brasil (Agência Pública)
Juan Hernández, Presidente das Honduras, tem laços claros ao narcotráfico, mas continua a ser apoiado pelos EUA (Harper’s Magazine)
Mali, o Afeganistão da França? (Der Spiegel)
A queda de Jacob Zuma na África do Sul (Washington Post)
Da Chechénia, histórias de horror sobre violência doméstica (Meduza)
Durantes anos, estes intérpretes afegãos auxiliaram o Governo dos EUA. Agora, sentem-se entregues à sua sorte (The New York Times)
A luta entre a Autoridade Palestiniana e o Hamas pelos fundos de reconstrução de Gaza (Al-Monitor)
Por fim, uma entrevista sobre França, Marrocos, religião, liberdade de expressão, sexualidade feminina e muito mais com a fantástica Leila Slimani (Jot Down)
Regresso ao futuro
Esta sexta-feira assinalam-se os 57 anos da assinatura do famoso Civil Rights Act, pela mão do Presidente norte-americano Lyndon B. Johnson.
A lei que concedeu o direito de voto a todos os cidadãos negros nos Estados Unidos não foi conseguida de forma fácil. O processo seria iniciado por John F. Kennedy, mas foi o sulista LBJ quem conseguiu levá-lo até ao fim, deixando claro que acreditava que o voto para os cidadãos negros não deveria ser “um presente do homem branco”, mas sim o estabelecimento de um “poder legítimo como cidadãos americanos”.
O processo negocial para o conseguir, contudo, foi tudo menos fácil. Isso mesmo explicou Todd Purdum, autor de An Idea Whose Time Has Come: Two Presidents, Two Parties, And The Battle For The Civil Rights Act Of 1964, à jornalista Terri Gross (NPR) nesta maravilhosa entrevista. Um excerto do livro de Purdum pode ser lido na revista do Politico, no sugestivo tópico do político republicano “que salvou os Civil Rights”.
O dia 2 de julho de 1964 foi finalmente o dia em que LBJ assinou a lei. Foram necessárias 80 canetas para conseguir assinar toda a documentação:
LBJ used about 80 monogrammed pens to sign the bill, which he gave away as mementos of the historic event. One of the first pens went to Martin Luther King Jr., leader of the Southern Christian Leadership Conference, who called it one of his most cherished possessions. Johnson also gave pens to Sens. Hubert Humphrey of Minnesota and Everett Dirksen of Illinois, the Democratic and Republican managers of the bill when it reached the Senate floor.
Não se pense, no entanto, que bastou esse gesto simbólico para resolver todos os casos de desigualdade racial nos EUA. As mortes de Michael Brown, Eric Garner e, mais recentemente, George Floyd, são a face mais visível de uma discriminação que perdura. Em 2021, os negros norte-americanos continuam a ter mais dificuldade em comprar casa do que os brancos (Washington Post), têm agora menor esperança média de vida (LA Times) e continuam sobrerrepresentados no corredor da morte (Associated Press). Até o direito de voto, consagrado em 1964, continua a ser alvo de limitações ainda hoje, como argumenta o antigo secretário do Trabalho Robert Reich, no The Guardian.
Sou toda ouvidos para…
Undiscovered é um podcast que, infelizmente, terminou a sua atividade já há dois anos. O seu arquivo é, porém, um manancial de histórias menos conhecidas e aqui contadas em profundidade, com o tom certo. Este episódio sobre a Unidade 731 é uma pérola pronta para ser encontrada. Alguma vez ouviu falar do general Shirō Ishii? Eu nunca tinha ouvido, mas depois de ouvir este episódio não consigo perceber porquê. Neste campo, o general liderou uma equipa médica que levou a cabo experiências em prisioneiros políticos (a maioria chineses e russos) da maior crueldade. E porque conhecemos tão bem o nome do congénere alemão, Mengele, mas nunca ouvimos falar de Ishii? Este episódio explica porquê. Mas dou uma pista: envolve uma negociação secreta com o governo norte-americano.
GIF da semana
É sexta-feira e por isso já posso inundar-vos com a multiplicidade de GIFs que celebram o TGIF. E aproveito para relembrar: se quiserem apoiar o Meridiano e ter acesso a entrevistas exclusivas, é só subscrever aqui.
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Espero que tenha gostado desta edição do Meridiano de Greenwich. Se for o caso, não se esqueça de recomendar aos seus amigos que o subscrevam. Esta newsletter é publicada todas as sextas-feiras. Tenha uma boa semana!