Ora bom dia! Mais uma semana, mais uma viagem à volta do globo.
O estado do mundo não está famoso (alguma vez esteve?), mas creio que o GIF se refere mais concretamente à crise climática. De qualquer das formas, fica o alerta: se continuarmos a poluir ao ritmo atual, no final do século o planeta estará 3 a 4 graus mais quente.
Ponto de ordem
“Não vale a pena lutar contra a Rússia.” Foi isso que uma antiga enfermeira, de 86 anos, disse a um jornalista do New York Times em Maslovka, zona russa perto da fronteira com a Ucrânia, onde recentemente tem havido grandes movimentações militares. A concentração de tanques e homens tem feito soar os alarmes em Kiev, que teme um reacendimento do conflito em Donbass.
“Eles estão a fazê-lo abertamente, para que possamos vê-lo. É intencional”, assegurou ao mesmo jornal um analista militar. A escalada russa é, sobretudo, um sinal para o Ocidente. “Estamos aqui, não fomos embora”.
Ao mesmo tempo, Moscovo expulsa um diplomata ucraniano e a Ucrânia reage expulsando representantes russos (Moscow Times). A tensão agudiza-se.
Estados Unidos e Alemanha reagem, desdobrando-se em telefonemas para Vladimir Putin. Este mantém o pé no acelerador. Oiçam-se as declarações do novo responsável russo pela situação na Ucrânia, Dmitry Kozak, que há uma semana disse o seguinte sobre os ucranianos pró-russos em Donbass: “Se houver uma Srebrenica lá, provavelmente teremos de ir em sua defesa” (BBC). Nota: não há qualquer sinal de um massacre étnico iminente.
Também nas televisões russas se agudiza a guerra da propaganda. A BBC encontrou várias notícias com dados e imagens falsas a serem emitidas aos russos, a propósito do que se passa na Ucrânia.
Os especialistas são unânimes: uma guerra aberta entre Rússia e Ucrânia é, para já, pouco provável. Isso mesmo diz Liana Semchuk (The Conversation):
There is a precedent for Putin using foreign policy adventurism to boost his approval ratings – annexation of Crimea in 2014, for example. But the potential economic costs that such an intervention would bring are likely to be too great, especially ahead of the crucial State Duma (lower house) elections in September 2021.
Dmitri Trenin, diretor do Carnegie Center em Moscovo, faz uma boa análise de como a situação chegou até aqui e prevê que o mais certo é o conflito de Donbass permanecer “congelado”. A Rússia, para já, deverá continuar a dar estes sinais de força para Kiev e Washington, a fim de testar a reação. Mas sabe que mergulhar de novo no conflito traz riscos, ainda para mais com uns Estados Unidos mais interventivos sob Biden.
Mas porque nem tudo gira à volta dos norte-americanos, Piotr Andrusieczko traça as razões internas na Rússia e na Ucrânia que podem ter levado a esta escalada militar (New Eastern Europe). Entre elas está a chegada ao poder de Kozak, o homem que fez a comparação da situação em Donbass com Srebrenica. Repare-se que, tal como a perturbação na fronteira com a Ucrânia, esta ideia não é nova: Putin levantou-a em dezembro de 2019 (Reuters). Em Donbass, tudo permanece congelado no tempo.
Outras latitudes
Em França, Pérpignan perdeu o seu pendor catalão (El Mundo)
O neto de um comandante nazi na Alemanha que afinal é uma fraude (Die Zeit)
Uma bonita crónica sobre o funeral do Príncipe Filipe, no Reino Unido (The Telegraph)
A crise entre os independentistas da Escócia (Unherd)
Sobre a saída dos EUA do Afeganistão (New Yorker)
A Goldman Sachs e os seus problemas de abusos laborais (Vanity Fair)
O que muda com a saída de Raul Castro em Cuba? (Miami Herald)
O vencedor surpreendente na primeira volta das presidenciais do Peru (El País)
Na Somália, vivem-se dias de caos (Crisis Group)
Como podem os combatentes estrangeiros influenciar a situação em Moçambique (War on the Rocks)
Alexey Navalny, na Rússia, está às portas da morte (Moscow Times)
Como Erdogan se está a aproximar da extrema-direita na Turquia (Der Spiegel)
O papel da Força Aérea de Assad na guerra na Síria (GPPI)
A vida nas aldeias na fronteira entre a Índia e o Paquistão (Caravan Magazine)
A visão da China para o Ártico (Brookings)
Como a China se movimenta face ao que se passa em Myanmar (USIP)
Qual o futuro da Clubhouse? (The Verge)
Regresso ao futuro
Há precisamente 59 anos assinavam-se os acordos de Evian, que puseram fim à guerra na Argélia. “59 anos depois, ainda não estamos reconciliados. Um dia, essa reconciliação terá que acontecer, para lá do ressentimento e da rivalidade ”, disse Dominique Bonnet, presidente de Câmara de Jura, aquando das cerimónias de homenagem aos soldados franceses mortos no conflito (Voix du Jura). Será uma das várias a repetirem-se um pouco por toda a França ao longo dos próximos dias. A propósito, veja as fotografias disponibilizadas pelo Sud-Ouest sobre a guerra na Argélia.
O conflito marcou a História da Argélia e de França, ou não tivesse levado à independência da antiga colónia francesa. Mas fez muito mais do que isso: os oito anos de guerra foram de tal forma marcados pela violência que ainda hoje há muitas feridas a sarar. Aqui fica o testemunho de um argelino, contado pelo seu filho (VICE).
Também França tem ainda um problema em lidar com o que aconteceu. O legado do colonialismo passa por um desconforto de alguns franceses com a ideia de que possam ter sido opressores e pela integração dos pieds-noirs. O seu Presidente, Emmanuel Macron, tem defendido porém que é necessário lidar com o passado e reconhecer o papel da França neste conflito (Foreign Policy). Por isso mesmo, Macron já reconheceu incidentes em que houve tortura por parte das forças militares francesas e pediu um relatório detalhado que levou à criação de uma “comissão pela verdade” sobre a guerra da Argélia, como conta o New York Times.
Mas os problemas estão longe de estar resolvidos. Veja-se as relações atuais entre Argélia e França, ainda marcadas pelos fantasmas do passado, como se viu esta mesma semana (Le Monde). No Arab Weekly, por exemplo, elogiam-se as ações de Macron, mas sublinha-se que a juventude africana das ex-colónias francesas ainda desconfia de Paris. Já para não falar das comunidades de imigrantes argelinos que vivem em França e da sua integração.
Sou toda ouvidos para…
Chama-se The Line e à primeira vista é uma investigação sobre o caso de um marine acusado de vários crimes de guerra, entre eles a morte de um prisioneiro às suas mãos. O comandante em causa acabaria por ser apenas condenado por ter tirado uma fotografia com o cadáver, mas alguns dos antigos colegas asseguram que fez muito pior do que isso. O podcast centra-se neste caso, mas as horas e horas de conversa com antigos SEAL acabam por revelar uma história que vai muito para lá deste caso: a de como se transformam os seres humanos em máquinas de matar. Vale a pena.
GIF da semana
Temos sol, esplanadas e agora até lojas abertas, bem como cinemas e teatro de volta. Não desanimem.
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