Bom dia! Hoje é dia para deixar apenas uma pequena pergunta de introdução no ar para todos os distraídos como eu:
Feito o levantamento nesta amostra considerável que são os leitores do Meridiano de Greenwich, sigamos para o que mais importa: o estado do Mundo.
Ponto de ordem
É inevitável. Esta edição, temos de olhar para mais um resultado inconclusivo nas eleições de Israel. Foram as quartas legislativas num espaço de dois anos e, uma vez mais, não há uma maioria clara para governar. Uma vez mais, Benjamin Netanyahu e o seu Likud foram os vencedores, mas não têm lugares suficientes no Knesset para uma maioria absoluta. E começa o carrossel das negociações para tentar formar governo, sem que desta vez haja uma solução aparentemente mais estável do que nas últimas eleições.
No meio da confusão, sugiro dois textos para clarificar o que se passa em Israel: um sobre quem são os atores políticos e partidos em causa (Al-Jazeera) e outro com os cenários possíveis daqui para a frente (Axios).
Feita a clarificação, vamos à análise. No Haaretz, um excelente jornal israelita claramente alinhado à esquerda, aponta-se que Benjamin “Bibi” Netanyahu venceu, mas as eleições não lhe correram assim tão bem. Afinal de contas, com aquele que é provavelmente o melhor plano de vacinação do mundo para a Covid-19, seria de esperar que pudesse aumentar a sua vantagem face às últimas eleições, mas não foi o caso: perdeu 6 deputados face a março de 2020. Talvez os casos que correm na justiça e a aparente vontade do primeiro-ministro israelita em combatê-los com alterações legislativas não estejam a agradar a muitos.
Mas não se pense que Bibi é o único a ter problemas. Benny Gantz, líder da coligação Azul e Branca que disputou taco a taco a eleição passada com o Likud, teve um resultado catastrófico, passando de 33 deputados para apenas 8 lugares no Knesset. Os seus eleitores não terão gostado que tenha alcançado um acordo de governo com Netanyahu — e logo um que o primeiro-ministro se apressou a deitar abaixo quando chegou a altura de dar o cargo de PM rotativamente a Gantz.
No meio disto, surgiu uma surpresa eleitoral chamada Mansour Abbas. O antigo deputado da Lista Conjunta árabe decidiu desta vez ir a votos sozinho e conquistou quatro lugares no Knesset com o seu novo partido Ra’am. E porque é Abbas tão importante? (Middle East Eye) Bem, para começar, diz-se disponível para negociar com todos, Likud e os seus aliados que defendem o judaísmo mais ortodoxo incluídos. Uma posição altamente inovadora para um líder árabe que faz dele o fiel da balança destas eleições, já que os seus quatro deputados podem fazer a diferença para formar uma aliança, seja ela pró ou contra Netanyahu.
Por falar no eleitorado árabe, habitualmente demonizado por Bibi em campanha, desta vez não foi assim (Christian Science Monitor), o que pode significar uma alteração de política face a esta comunidade em Israel. Mas nem por isso se pense que o líder do Likud abandonou a extrema-direita religiosa mais radical: até no conservador Jerusalem Post é possível encontrar um artigo de opinião de um rabino a lamentar a influência do Kahanismo no atual Knesset e a presença de figuras como Itamar Ben-Gvir: o homem que, semanas antes do primeiro-ministro Yitzhak Rabin ser assassinado por um extremista ortodoxo, apareceu na televisão com o símbolo roubado do Cadillac de Rabin e afirmou “Já apanhámos o carro dele, também o havemos de apanhar.”
Naquilo em que todos concordam é que a situação atual é insustentável. Seja qual for a coligação governamental que saia destas negociações, o mais certo é não ter estofo para durar muito tempo, dada as divisões fortíssimas entre os vários partidos. No Times of Israel, o seu diretor resume assim o perigo:
Israel knows all too well about the dangers of political violence; thus far, the worst excesses have been avoided.
Four inconclusive votes in less than two years, with no state budget and a crippled parliament, would indicate that our electoral system is dysfunctional. For now, at least, the pillars of our democracy are holding firm.
Perante este cenário, já há quem avise que uma reforma eleitoral pode ser a solução. É o caso de Yohanan Plesner (Foreign Policy), que relembrou em 2019 como Netanyahu comentou que Israel podia estar a tornar-se numa espécie de Itália. E de Emily Schrader (Jerusalem Post), que gostaria de que o sistema fosse repensado de forma a permitir maiorias absolutas a um único partido — algo que nunca aconteceu na História de Israel.
Outras latitudes
Da Alemanha com discussão, duas visões sobre o envolvimento dos EUA no mundo (Die Zeit)
Emmanuel Macron, um Super-Homem contra a Covid — pelo menos de acordo com os seus assessores (Politico EU)
Ainda sobre Meghan e Harry, um magnífico relato de uma correspondente real (The Telegraph)
Na Escócia, o diferendo entre Nicola Sturgeon e Alex Salmond complica as coisas para o SNP (The Telegraph)
O Parlamento Europeu deixa críticas aos governos de Malta e Eslováquia pelos ataques a jornalistas (The Parliament Magazine)
O problema de Joe Biden na fronteira dos Estados Unidos e uma nova crise de migrantes mal resolvida (Washington Post)
Em Apure, na Venezuela, a violência atinge proporções dramáticas (El Espectador)
A influência chinesa nos media da Sérvia (Balkan Insight)
Na Rússia, a ascensão da astrologia política (Coda Story)
E ainda a partir de Moscovo, uma entrevista com uma das ex-Pussy Riot, que apoia Navalny (Moscow Times)
A propósito do imbróglio com o barco encalhado no Suez, uma revisão da matéria sobre a História do Canal (Washington Post)
Em Cabul, para além da violência há noites marcadas por assaltos e matilhas de cães selvagens (The New York Times)
A Eritreia retirou os seus soldados da zona de Tigray, estabelecendo uma pausa no conflito com a Etiópia (Radio France Internationale)
Um relatório francês aponta o dedo à inação do governo de Paris durante o genocídio no Ruanda (Jeune Afrique)
Em Myanmar, a violência acentua-se e os manifestantes já esperam o pior (Voice of America)
Uma entrevista muito interessante a Marty Baron, o histórico diretor do Washington Post (El Comercio)
E, por fim, uma interessante reflexão sobre o papel da ONU nos tempos que correm (Foreign Affairs)
Regresso ao futuro
Foi há apenas quatro anos, mas parece que foi há uma vida. A 29 de março de 2017, Theresa May ativava o Artigo 50º e pedia assim formalmente a saída do Reino Unido da União Europeia, pondo em marcha o processo para o Brexit. Excelente altura para uma curadoria de alguns bons artigos sobre o tema.
Para começar, nada como este excelente resumo da Economist sobre o que aconteceu nestes últimos anos. E, para entreter, esta excelente reportagem sobre o processo da Gronelândia, a única região a ter saído formalmente da UE antes dos britânicos (Delayed Gratification).
Para ir mais a fundo e compreender o euroceticismo britânico, sugiro este estudo do académico especialista em populismos de direita Matthew Goodwin (Chatham House). Sobre as figuras que representaram esse movimento, dois perfis: um mais antigo do Observador sobre Boris Johnson (feito por mim, perdoem-me a auto-promoção) e outro mais recente que olha para Nigel Farage (Spectator).
Ainda do lado do Leave, deixo-vos este interessante artigo do New York Times sobre o papel dos tablóides britânicos na campanha e um de uma série de artigos aprofundados da jornalista Carole Cadwalladr sobre a Cambridge Analytica e outras táticas duvidosas online durante o referendo (The Guardian). Neste capítulo, refira-se ainda este trabalho da New Statesman sobre o milionário Arron Banks.
Mas não só do lado do Leave houve problemas. A Prospect analisa como a BBC foi alvo de críticas pela sua cobertura considerada “pró-Remain” por alguns e a Spectator reflete sobre o facto de o Brexit ter sido sempre uma dor de cabeça para os trabalhistas — ainda hoje, com Keir Starmer.
Também na revista Prospect, a académica Jill Rutter faz uma óptima análise sobre os efeitos práticos do Brexit no dia-a-dia dos britânicos e o think-tank UK in a Changing Europe analisa como as diferenças acirradas estão finalmente a pacificar-se.
Mas nem tudo são rosas para o Reino Unido. Continuam grandes questões por resolver na Escócia (Standpoint) e na Irlanda do Norte (Unherd). Os britânicos podem ter saído da UE, mas o mais certo é continuarmos a ouvir falar deles durante muitos anos.
Sou toda ouvidos para…
Ainda no capítulo eleições em Israel, não podia desperdiçar a oportunidade de recomendar o podcast do Haaretz, o Haaretz Weekly. Para quem quer perceber um pouco mais sobre a política israelita, nada como pôr para trás e ouvir os episódios especiais que foram saindo durante esta campanha, apelidados de Election Overdose.
GIF da semana
Aproveito para vos dar conta que na próxima semana o Meridiano fará uma pausa a propósito da semana da Páscoa. Deixo-vos com desejos de que aproveitem o sol de Primavera.
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Espero que tenha gostado desta edição do Meridiano de Greenwich. Se for o caso, não se esqueça de recomendar aos seus amigos que o subscrevam. Esta newsletter é publicada todas as segundas-feiras. Tenha uma boa semana!