Viagem histórica à terra de Abraão, um Bunker e uma edição especial neste Dia da Mulher
Edição #8
Já não sei mesmo a quantas ando. Há uns dias, jurava que uma coisa que tinha acontecido há dois dias tinha acontecido há uma semana. Pormenor: não era uma coisa qualquer, era o meu aniversário de 10 anos de relação, que tinha sido celebrado com um bom vinho, Ben&Jerry’s e a melhor companhia. Dito isto, perdoem-me qualquer coisinha.
E bom, não percamos muito tempo, porque esta edição é especial e temos muuuuiiiitos artigos para partilhar. Vamos a isso?
Ponto de ordem
O Papa Francisco esteve no Iraque, uma “viagem emblemática”, como o próprio definiu (The New York Times), ou não fosse a primeira vez que um Papa visita aquele país. Para quem quer um resumo de tudo o que por lá aconteceu nos últimos dias, nada melhor do que este artigo da BBC.
A viagem levantava muitos problemas de segurança, não só pela violência na região (Deutsche Welle), como pelo facto de a Covid-19 ainda estar a afetar fortemente o país, como se refletia no site especializado Crux em dezembro — altura em que a viagem foi anunciada. Contudo, Francisco já foi entretanto vacinado e não vacilou em nenhum momento na vontade de ir a um dos países mais martirizados pelo conflito no Médio Oriente e onde há cristãos que foram violentamente perseguidos.
Em Mossul, aguardava-se com antecipação a chegada do Papa (The National):
Two hand-made crosses are on display in Mosul’s Church Square as the city awaits the visit of Pope Francis on Sunday.
One is made out of burnt chairs from churches that ISIS destroyed and the other has Mosul’s landmarks engraved on it.
“The cross was built from burnt chairs from churches in the Nineveh Plain, we kept the wood in the storage and it took one day to assemble, which was done last Thursday,” said Faisal Jeber, an Iraqi geologist who is trying to restore historical sites damaged by ISIS in the northern city.
A experiência dos cristãos no Iraque durante a invasão do Estado Islâmico foi de completo terror. Isso mesmo foi relatado em português, por João Francisco Gomes e João Porfírio do Observador, ainda em 2018. Hoje, para muitos, a zona do Curdistão iraquiano revelou-se um verdadeiro refúgio, como conta uma família ao Arab News. Mas há quem seja menos otimista: no Unherd, Max J. Joseph relembra que o sectarismo (até dentro das várias fações cristãs no Iraque) não se resolve por magia com a visita de Francisco.
Isso não retira o simbolismo imenso da visita de Francisco, que foi inclusivamente à cidade de Ur, onde se crê ter nascido Abraão, um local cheio de história, como relembra a Al Jazeera. E Francisco também fomentou o diálogo ecuménico, ao encontrar-se com o aytatollah xiita da região (Washington Post), num dos passos mais relevantes desta viagem:
In particular, they hoped that Francis's meeting with Grand Ayatollah Ali Sistani, the preeminent religious figure for Iraqi Shiites, might mark a turning point in relations between Christians and the Shiite militias that have sometimes threatened them.
Outras latitudes
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Regresso ao futuro
Hoje assinala-se o Dia Internacional da Mulher, e que momento mais apropriado pode haver para fazer uma seleção dos melhores textos sobre as desigualdades que ainda se sentem um pouco por todo o mundo?
É isso que vos proponho com a seguinte seleção de textos. Em primeiro lugar, vamos aos dados (National Geographic). Dissipadas quaisquer dúvidas sobre as várias áreas onde as mulheres ainda não têm tratamento igual aos homens, seguem-se as histórias.
Muito se falou sobre o movimento #MeToo e o assédio sexual nos últimos anos. Nem que de propósito, este fim-de-semana assisti ao documentário da Netflix “Chambre 2806”, sobre o caso de Dominique Strauss-Khan, onde fica uma vez mais patente como muitas vezes o questionamento recai mais sobre as vítimas do que sobre os alegados criminosos. Mas, aparte um movimento com falhas que se tornou mais centrado em estrelas de Hollywood, acho que este é um tema para uma excelente reflexão sobre a violência sexual ainda exercida sobre muitas mulheres — com menos voz e capacidade financeira para reagir — em locais de trabalho. Veja-se este excelente trabalho do New York Times sobre uma fábrica da Ford, nos Estados Unidos: “There were instances when he would come up and smack my bottom”, conta uma trabalhadora numa linha de montagem. E há mais:
Shirley Thomas-Moore, a teacher who came to Ford to make better money, recalled the scene in the mid-80s: A man would hit his hammer on a railing, summoning the attention of the factory floor. “Fresh meat!” the male workers hollered.
“When they come in, everybody’s: ‘Oh man, look at her. Nah, this is going to be mine,’” recalled her husband, Terrance Moore, who also worked at the plant.
Aparte os casos da violência sexual, há ainda os sempre presents temas sobre como conciliar carreira e família (veja-se o caso do Japão, aqui retratado pelo The Lily) ou a gestão do dinheiro num casamento ao longo dos tempos (Topic). Também no desporto as barreiras ainda são muitas, em alguns locais do mundo ainda mais agudizadas (New Yorker). Mas tal não impede as mulheres de se destacarem em muitas áreas, até nas mais inusitadas, como a espionagem (Newsweek).
As mulheres ainda são muitas vezes vítimas. De violência doméstica (El País Semanal), por exemplo, mas também ainda em crianças, seja às mãos de grupos como o Boko Haram (New York Times), seja por questões sexuais e de honra como na Índia (The Hindu). Nos conflitos armados, são frequentemente violadas, como aconteceu durante o genocídio no Ruanda (Washington Post).
Mas também há mulheres envolvidas no terrorismo, como conta este ensaio no International Center for the Study of Violence, ou no crime organizado (Pacific Standard). Nada como ler estes dois belos artigos para perceber os porquês.
Sugiro ainda um quiz muito interessante do Wilson Center sobre mulheres famosas da Rússia e da União Soviética, um artigo sobre o papel das hormonas na forma como as mulheres são percecionadas publicamente (The Guardian) e, também do Guardian, uma reflexão interessante sobre o outro lado: o papel da masculinidade nos dias de hoje.
Por fim, deixo-vos com dois ícones do feminismo muito diferentes, mas que provam que as mulheres se podem fazer valer de formas distintas, sem por isso perder a forma: uma entrevista a Gloria Steinem (The New York Times) e um perfil sobre Dolly Parton (New Yorker).
E, por fim, números (Programa Operacional Inclusão Social e Emprego):
Em Portugal, as mulheres continuam a ganhar 14,4% menos ou, em números absolutos, 148,9 € que os homens, correspondendo essa diferença a 51 dias em que, simbolicamente, trabalham gratuitamente quando comparadas com os colegas homens.
Sou toda ouvidos para…
No que toca a podcasts sobre a atualidade, há um que nunca me escapa, o britânico The Bunker. Os temas são os mais variados possíveis, os convidados sempre de qualidade e os ângulos muito bem escolhidos. Seja qual for o tópico do dia, é sabido que lá vem coisa boa. Deixo-vos este recente episódio sobre o legado de George Orwell, para pensar.
GIF da semana
Nada como terminar com boa-disposição para esta semana. E há lá alguma série de comédia melhor do que Seinfeld? Ainda estou por ser convencida.
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Espero que tenha gostado desta edição do Meridiano de Greenwich. Se for o caso, não se esqueça de recomendar aos seus amigos que o subscrevam. Esta newsletter é publicada todas as segundas-feiras. Tenha uma boa semana!